Novela “Em Família”: conflitos entre o público e o privado


“Um assunto particular, privado, caracteristicamente pessoal é sobreposto aos interesses de discussão do público, como se fosse assunto público.”
As telenovelas, se são consideradas meras obras de ficção e nada têm a ver com a realidade, como referenda os créditos finais, não deveriam causar impacto na sociedade quando justamente sua característica acentuada é refletir a vida dos telespectadores. A análise é apenas o fio da meada. Em matéria de representatividade, o enredo da telenovela é um aperfeiçoamento do mundo exterior e faz cada telespectador sentir-se parte dele.
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A ideia contrária, a de que os autores buscam maneiras de levar a realidade à teledramaturgia, é fracassada. A intenção é sempre mostrar outros mundos, outras atitudes, outras decisões e, sobretudo educar quem assiste. É possível perceber uma clara contradição, ou mesmo confusão, entre aquilo que é público e o que é privado. A novela “Em Família” representa claramente a inversão desses valores. Na novela, tudo deve ser decidido no âmbito familiar, até mesmo a tentativa de homicídio de um dos personagens por outro, o qual, inclusive, chegou a sepultar aquele vivo. É grave, mas o assunto deve ser tratado em família. É a regressão de um assunto público para a privacidade dos membros de uma família. Ali é necessário discutir todas as coisas que não devem ou não podem ser compartilhadas com mais ninguém.
De outro modo, a questão da discussão da homossexualidade é quase sempre um aparato indispensável às últimas telenovelas. Na teledramaturgia das 21h atual, o casal é formado por duas mulheres que expõem sua dificuldade de compreender a orientação, seus sentimentos e medos. Isso constitui a inversão. Um assunto particular, privado, caracteristicamente pessoal é sobreposto aos interesses de discussão do público, como se fosse assunto público.
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Por escrever há várias décadas sobre família e mantendo quase as mesmas características dos personagens, Manoel Carlos parece ter adquirido um senso especial para inverter as discussões entre esferas contrárias. Isso também acentua a necessidade da televisão de educar o telespectador, incitá-lo a pensar antes nas suas convicções de sociedade, civilização e cidadania, sem compreender que cada um pode construir seus próprios ideais. O que deve ser discutido em esfera pública e esfera privada depende sempre das diretrizes da própria sociedade, e não de uma obra de ficção e suas temáticas discursivas.
Reforço aos estereótipos
Dentro da própria discussão sobre os assuntos familiares, a trama expõe o crescimento de uma vilã, interpretada por Ângela Vieira, que inferniza a vida do ex-marido e da filha, uma jovem que se envolveu com um rapaz pobre. Tipicamente burguesa e adepta ao ódio de classe, Branca, como personagem, perde a simpatia e a legitimidade de fala, por sua vilania, diante dos telespectadores. Isso reforça a ideia de que todas as decisões das personagens tenham um conteúdo de maldade. Talvez por isso tenha passado despercebida a estupefação de Branca ao encontrar a filha com o namorado em seu quarto. Naquele momento em que exige respeito porque é a dona da casa, a personagem está corretíssima, embora a condição de vilã, estereotipada, não a faça conseguir anuências.
Todos os empregados, jardineiros ou servos nas novelas devem ser sempre negros, como se não houvesse pessoas de todas as cores desempenhando funções diversas em todas as áreas de trabalho. É como se quisessem manter as coisas historicamente em seu devido lugar. Em telenovelas, negros devem ser, no máximo, coadjuvantes, quando muito participantes de núcleo principal. Manoel Carlos, para não parecer tão estranho à luta contra o racismo, cria uma doméstica que é quase confidente de Helena, monta um estereótipo baseado em uma raridade, visto que há poucas empregadas com um nível de proximidade tão grande com os patrões. No entanto, depois da PEC das Domésticas, a TV Globo tem trazido para si o tom da discussão. O público na esfera do privado.
NOTÍCIAS DE PARCEIROS
Texto escrito pelo leitor Mailson Ramos
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Autor(a):
TV Foco News
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